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Por Geane Alzamora
Número 32
Webjornalismo/Semiótica/Informação
Introdução
Como ambiente simultâneo
de produção e difusão de informações,
a Internet mescla processos informativos típicos da comunicação
de massa e formas comunicativas bastante contemporâneas, como
sinalizam webzines, weblogs e comunidades virtuais que se proliferam
na rede.
Embora boa parte das experiências comunicativas observadas
em sites jornalísticos não se diferencie muito dos
modos comunicativos processados nos suportes que lhe são
referenciais (ver, por exemplo, <http://www.lemond.fr/>,
<http://www.estado.estadao.com.br/>,
http://oglobo.globo.com/>
), a Internet coloca em trânsito processos de produção/difusão
de informações jornalísticas razoavelmente
inovadores.
Por exemplo, é possível receber todos os dias, gratuitamente
e por e-mail, The New York Times on The Web <http://www.nytimes.com>,
através de um programa que rastreia se o destinatário
acessa regularmente o webjornal. Já sites como <http://www.webfind.com.br/>prestam
gratuitamente serviços de clipping presonalizados.
Por outro lado, webzines, weblogs e comunidades virtuais ignoram
técnicas de informação jornalísticas
forjadas no âmbito da comunicação de massa e
inauguram modos irreverentes de se produzir e difundir informações
na rede. Em sintonia com recursos de linguagem típicos do
meio, tais como interatividade, multimidialidade, hipertextualidade
e memória (sobre o assunto ver Lèvy, 1994), essas
novas formas de comunicação trazem questões
instigantes para a noção de Jornalismo como transmissão
generalizada de informações mediadas por profissionais
da área.
Numa época na qual nem se pensava ainda em Internet, José
Luís Martínez Alberto (1977, pag. 23) afirmava que
"Redación Periodística es la ciencia que se ocupa
del estudio de unos determinados signos - naturales y técnicos
- ordenados en una unidade de pensamiento com el fin de transmitir
dados e ideas de interés general através del periódico
o de cuaquier outro medio de comunicación de masas".
As experiências jornalísticas na Internet que derivam
de veículos de comunicação de massa, de modo
geral, corroboram ainda essa idéia. Porém, novas formas
comunicativas que se insinuam na rede colocam a informação
em trânsito de outro modo: em processos de mediação
descentralizados, modelados por interesses específicos de
cada comunidade virtual. Nessas situações, a informação
não é generalizada nem transmitida por
um emissor privilegiado, mas modelada por um conjunto flexível
de participantes agenciados em torno de interesses comuns manifestos
por uma certa comunidade virtual.
Vários autores discutem essa questões (ver, por exemplo,
Moura, 2002, Canavilhas, 2003, Antoun, 2001), relativizando conceitos
e valores sobre os quais se solidificou a idéia de informação
jornalística. Experiências como <http://www.slashdot.org/>
e <http://www.indymedia.org/>
, por exemplo, estruturam-se a partir da noção de
comunidade virtual. Exatamente por isso, as informações
derivam de processos de mediação descentralizados
que refutam valores consagrados pelo Jornalismo tradicional, como
objetividade e imparcialidade.
A profusão contemporânea de quantidade e qualidade
de informação na Internet, portanto, redefine lugares
de busca de informação e, conseqüentemente, problematiza
o papel dos filtros informativos, até então
predominantemente sob responsabilidade de jornalistas legitimados
socialmente pelos meios de comunicação de massa. Segundo
Rheingold (1996, pag. 78), "as comunidades virtuais podem auxiliar
os respectivos membros a lidar com a sobrecarga de informação,
independente de serem profissionais ligados à informação".
Para se discutir essas questões, opta-se aqui por problematizar
inicialmente a natureza da informação jornalística
para, posteriormente, localizar a questão no âmbito
da Internet. Sugere-se que informação em webjornalismo
é menos um problema de técnica jornalística
que uma discussão conceitual do meio, que privilegie aspectos
teóricos plurais, híbridos, transdisciplinares.
Nessa perspectiva, opta-se pela abordagem peirceana da questão.
Entende-se aqui que a natureza natureza plural, híbrida e
transdisciplinar da semiótica peirceana revela-se particularmente
adequada para se pensar a natureza igualmente híbrida, impura
e transdisciplinar da informação em webjornalismo.
Aspectos Semióticos
Complexo e muito abstrato, o pensamento de Charles Sanders Peirce
(1839-1914) alicerça-se sobre três categorias fenomenológicas
capazes de englobar tudo o que é, tudo o que pode ser e tudo
o que tende a ser. As três categorias são onipresentes
nos fenômenos, ou seja, "tudo o que aparece à
mente, seja real ou não" (Peirce, 1983, pag. 85).
Na primeira categoria (primeiridade), o fenômeno não
passa de uma mera possibilidade ainda não atualizada, vaga,
múltipla, indiferenciada. Ao se atualizar parcialmente em
um existente qualquer, as qualidades características da primeiridade
se particularizam, estabelecendo uma relação dicotômica
entre dois campos fenomenológicos, estágio denominado
secundidade por Peirce. A terceiridade é um outro campo fenomenológico,
que estabelece a mediação entre a primeirdade e a
secundidade, de modo a tornar inteligível (terceiridade)
a atualização (secundidade) do possível (primeiridade).
A terceiridade estabelece um propósito para a ação,
que se processa na secundidade a partir de fundamentos qualitativos
da primeiridade. Desse modo, as categorias são onipresentes
no fenômeno, embora seja observável o predomínio
de uma ou outra. A primeira categoria prescinde da segunda, que
prescinde da terceira. Esta contém a segunda, que contém
a primeira. Ao mesmo tempo, a terceiridade é o propósito
da secundidade e a mediação entre esta e a primeiridade.
As três categorais encontram ressonância na noção
peirceana de signo, segundo a qual "signo é aquilo que
sob certo aspecto ou modo representa algo para alguém"
(Peirce, 1990, pag. 46). O signo peirceano constrói-se triadicamente,
a partir de domínios fenomenológicos, ou seja, é
algo que atualiza (secundidade) parcialmente um campo de possíveis
(primeridade), que é, por sua vez, um signo anterior que
determina parcialmente um signo segundo com o propósito (terceiridade)
de criar, em uma mente qualquer, um terceiro signo, equivalente
ao primeiro e talvez mais desenvolvido, denominado interpretante.
A noção de signo em Peirce, portanto, refere-se à
noção de mediação, ou seja, de semiose
- a ação natural de o signo transformar-se infinitamente
em outro. Esse processo, para Peirce, é sinônimo de
inteligência e de mente. O que a Semiótica estuda,
portanto, é menos o signo que a semiose, tendo em vista que
o signo peirceano é processual, de natureza incompleta e
progressiva.
O signo estabelece relações consigo mesmo, com seu
objeto e com seu interpretante. Para os propósitos deste
artigo, vamos trabalhar somente a primeira relação,
do signo com seu objeto. Nesta, o signo pode se referir ao objeto
em nível de primeiridade (ícone), de modo análogo,
metafórico ou sinestésico. Quando o signo é
uma extensão física desse objeto, estabelece uma relação
de secundidade (índice). Ao representar o objeto, de modo
arbitrário, por força de uma convenção
social, o signo é um símbolo (terceiridade).
Para os propósitos deste artigo, essas definições
são suficientes.
A informação como
categoria fenomenológica
Na perspectiva deste trabalho, informação jornalística
deve ser entendida como processo sígnico que busca produzir
na mente (semiose) um interpretante, que é um signo similar
ao objeto que lhe serve de referência . Nessa relação,
o acontecimento ocupa o lugar lógico do objeto e o
fato jornalístico ocupa o lugar lógico do signo
na semiose jornalística. Como se constitui semioticamente
o fato webjornalístico será discutido mais à
frente neste artigo.
Antes, porém, faz-se necessário evidenciar a natureza
complexa da informação jornalística como articulação
de três níveis fenomenológicos engendráveis
segundo a lógica das categorias peirceanas. A proposta relativiza
a independência dos gêneros Informativo, Interpretativo
e Opinativo (sobre o assunto ver Melo, 1994), sugerindo uma constante
relação entre eles. Os três gêneros, portanto,
passam a ser vistos como complementares e não excludentes.
Nessa abordagem, a interpretação ocuparia o
lugar lógico da primeiridade por promover uma tradução
subjetiva do fato, conduzindo uma leitura possível do objeto
(acontecimento) que lhe serve de referência, de modo analógo,
sinestésico ou metafórico. A informação
ocuparia o lugar lógico da secundidade por contextualizar
o fato através de "provas", referindo-se indicialmente
ao acontecimento em pauta. Já a opinião ocuparia o
lugar lógico da terceiridade por promover uma representação
simbólica do objeto (acontecimento) com o propósito
de formar juízos de gosto e valor em torno do signo (fato).
Tem-se, então, que a informação deriva de um
processo de interpretação, no qual estão incluídos
juízos prévios de gosto e valor. Desse modo, a informação
particulariza em fato jornalístico uma possível interpretação
do acontecimento, tendo por propósito se traduzir em um juízo
coletivo através de um argumento opinativo.
Uma vez que a terceiridade engloba a secundidade e esta a primeiridade,
pode-se concluir que a opinião contém a informação
e esta, por sua vez, singulariza um modo possível de interpretar
o objeto. E como a terceiridade simultaneamente faz a mediação
entre a primeiridade e a secundidade, juízos de gosto e valor
(opinião) se interpõem entre o modo como o acontecimento
foi interpretado em fato jornalístico e a seleção
de informações que o contextualizará para o
leitor. Assim, a opinião surge de um progressivo edifício
argumentativo que permeia o processo informativo.
O texto jornalístico, nessa perspectiva teórica, pode
ser entendido como a tradução desses três níveis
fenomenológicos articulados. Os recursos de linguagem da
Internet parecem particularmente apropriados para tal proposta,
uma vez que, pelo hipertexto, torna-se possível engendrar
os três níveis no mesmo texto.
Por exemplo, tem-se em primeiro plano o nível informativo,
uma vez que a secundidade é o nível fenomenológico
através do qual o signo surge na semiose. Em segundo plano,
penetra-se nos níveis interpretativo e/ou opinativo da informação,
em uma espécie de condensação do texto jornalístico
(sobre condensação como propriedade do hipertexto
ver Johnson, 2001). Pelo hipertexto, então, torna-se possível
produzir uma informação simultaneamente mais sintética
e mais complexa.
A informação, ofato
eo ciberespaço
Discutir a natureza da informação em webjornalismo
demanda que se explicite como a informação atravessa
a relação fato/acontecimento, a dimensão semiótica
desta e o que caracteriza a noção de realidade - substrato
da relação fato/acontecimento - que emerge do ciberespaço.
Nesse sentido, sugere-se considerar o webjornalismo como organização
de informações produzidas/difundidas no ciberespaço,
conforme interesses da linha editorial do webjornal e/ou da comunidade
virtual a qual este se vincula. Webjornalismo, portanto, é
algo diverso e multifacetado, cujas manifestações
diferenciadas têm em comum a condição de se
processarem no domínio da ciberespaço - ambiente de
trocas de informações alicerçadas na relação
homem-máquina-homem.
É no ciberespaço que se processam as relações
sócio-culturais na rede, às quais se vinculam processos
comunicativos singulares. Portanto, o ciberespaço torna-se
palco de experiências singulares, que modelam uma outra noção
de realidade. A natureza do ciberespaço tem sido bastante
discutida por diversos autores em todo o mundo (ver, por exemplo,
Lévy, 1999 e Lemos, 2002). Neste artigo, propõe-se
uma abordagem peirceana da questão.
Por ser no ciberespaço que os acontecimentos da rede se processam
e a noção de realidade se expande, propõe-se
discutir a natureza semiótica do ciberespaço a partir
da noção de realidade em Peirce. Para a semiótica
peirceana, a noção de realidade refere-se à
articulação das três categorias fenomenológicas.
Segundo Potter
The three fundamental categories of Peirce are: the possible,
the actual, and the destined - may-be's, are's , and would-be's
(...) The third category is properly that of thought, regularity,
law-likeness, ando so is most necessary and sufficient to account
for the complexity of the real. (Potter, 1996, pag. 99)
A realidade, portanto, pode ser
entendida como um processo que inclui o que é, o que pode
ser e o que dever ser. A terceiridade fornece parâmetros
para se compreender a complexidade da realidade, mas é na
secundidade que se processam as experiências sócio-culturais,
os acontecimentos - substratos da realidade. Acontecimentos particularizam
possibilidades infinitas de ocorrências (primeiridade), mediante
normas de linguagem e conforme alguns propósitos (terceiridade).
A categoria da existência, na qual se processam as experiências,
os acontecimentos, é modelada, segundo Peirce (citado por
Potter, 1996) por interações espaço-temporais.
Estas participam dos modos como a informação circula
através dos meios de comunicação.
No ciberespaço, as relações espaço-temporais
são diferentes daquelas modeladas pelos meios tradicionais
de comunicação de massa. Em vez do espaço restrito
dos jornais e revistas impressos, tem-se, no ciberespaço,
o espaço virtual da rede, potencialmente expandido
no webjornal pelo hipertexto; em vez do tempo não
renovável dos telejornais e radiojornais, tem-se o tempo
da atualização constante do webjornal, expandido
pelo espaço sobressalente de informações permanentemente
disponíveis pela memória.
O ciberespaço, portanto, altera as relações
espaço-temporais consagradas pelos meios de comunicação
de massa e, desse modo, modela novas experiências sócio-comunicativas
que alicerçam uma noção bastante contemporânea
de realidade.
Potter esclarece que experiência
Is a conscious effect produced
upon a subject by brute interaction with the environment such
that it contributes to the formation of habits (...) All knowledge,
Peirce holds, is based on direct experience (...) Furthemore,
the real and the knowable are co-extensive" (Potter, 1996,
pag. 172).
Sendo o ciberespaço potencialmente
infinito, recorta-se como 'realidade' no ciberespaço aquilo
que é passível de ser conhecido. Como 'veículo
de conhecimento', a informação coloca em trânsito
na rede concepções de realidade que emergem do ciberespaço.
Torna-se necessário, então, que se formem novos hábitos
culturais em torno das relações espaço-temporais
da rede e que estes se traduzam em propostas comunicativas singulares,
compatíveis com as noções alteradas de realidade,
experiência, cultura e sociedade.
Nessa perspectiva, propõe-se que a realidade modelada pelo
ciberespaço refira-se à apreensão cultural
das experiências sócio-comunicativas processadas na
rede. Esse tipo de experiência tende a se traduzir em hábitos
de trafegar pelo ciberespaço e suas respectivas comunidades
virtuais.
Esse é um dos desafios impostos às informações
webjornalísticas. Ao articular no hipertexto webjornalístico
interpretação, informação e opinião,
tais informações contribuem para difundir uma certa
noção de realidade na contemporaneidade, na medida
em que servem de 'guia' para exploração do ciberespaço.
É preciso lembrar, porém, que as experiências
que se processam na rede guardam referências sígnicas
em experiências que se processam fora da rede. Desse
modo, a dimensão híbrida do meio estende-se para além
dos domínios deste, uma vez que o meio - o ciberespaço
- é o lugar no qual se processam experiências de referências
múltiplas, portanto, de natureza híbrida.
A informação webjornalística, nessa perspectiva,
seria o modo como se torna possível apreender tais experiências
a partir de determinados interesses comunicativos. Assim, ao mesmo
tempo que se volta para as experiências que se processam no
ciberespaço, a informação webjornalística
simultaneamente toma por referências experiências que
se processam fora dele. Esse hibridismo parece corresponder à
noção contemporânea de realidade.
O fato webjornalístico, então, teria uma referência
múltipla, uma vez que os acontecimentos que lhe servem de
referência se processam simultaneamente no ciberespaço
e fora dele. Assim, a informação webjornalística
precisa articular em linguagem ambas as experiências. Não
se trata, portanto, nem de linguagem jornalística tradicional,
nem de mero manuseio de recursos de linguagem do meio, mas de algo
híbrido, plural, multifacetado.
Uma análise superficial da maior parte dos chamados webjornais,
porém, revela que o interesse deles volta-se prioritariamente
para fora da rede, ignorando, na maior parte das vezes, boa
parte dos recursos de linguagem que delineiam o meio e, conseqüentemente,
as experiências sócio/culturais ambientadas no ciberespaço
(sobre recursos de linguagem do meio usados em webjornais brasileiros,
ver <http://www.facom.ufba.br/panopticon>)
.
Tais experiências, ao se tornarem objeto de interesse jornalístico,
tornam-se fatos. Estes são espécies de representações
de acontecimentos, ou seja, o fato seria algo como os acontecimentos,
ou ocorrências que resultam das experiências, traduzidas
em linguagem - no caso, em linguagem webjornalística.
A world is a deneated by a system
of facts, but facts are not independent of the selective knowledge
process, for facts are abstracted portions of a continnum of events.
(Rosenthal, 1994, pag. 8).
Não por acaso, dizemos fatos jornalísticos,
expressão que determina significações específicas
aos acontecimentos. Os fatos relacionam-se de modo indicial aos
acontecimentos e se misturam a estes pela experiência. Se
pensarmos a informação webjornalística como
um processo sígnico que tem por propósito difundir
uma certa concepção de realidade, teremos o fato como
um recorte estabelecido no campo do real que se refere à
significação indicial do acontecimento, uma espécie
de semiose que atravessa o acontecimento, manifesta-se no discurso
jornalístico e traduz-se em uma nova representação
na mente de quem processa essa experiência sígnica.
Como o índice é uma extensão física
do objeto no signo, fatos webjornalísticos derivados de acontecimentos
no ciberespaço podem se traduzir em informações
indiciais, ou seja, extensões hipertextuais de tais acontecimentos
que se mesclam ao texto webjornalístico. Isso se torna possível
porque os acontecimentos dos ciberespaço são passíveis
de serem "guardados" (propriedade de memória)
e "engendrados" (propriedade de hipertextualidade).
A situação é singular para o Jornalismo, uma
vez que os meios de comunicação de massa representam
acontecimentos exteriores ao veículo e, na Internet, acontecimentos
do ciberespaço e fatos webjornalísticos encontram-se
no mesmo ambiente. Conseqüentemente, torna-se possível,
através do hipertexto jornalístico, conectar indicialmente
fatos a acontecimentos de modo inovador, reconfigurando técnicas
e convicções.
Essa é uma possibilidade ainda pouco explorada no texto webjornalístico
que, de modo geral, limita-se a fornecer o link da ocorrência
em pauta, sem consideráveis alterações semióticas
na composição do texto webjornalístico. Na
perspectiva de uma alteração semiótica significativa,
fato webjornalístico e acontecimento do ciberespaço
traduziriam-se, possivelmente, em um hipertexto híbrido,
que traria à tona do texto jornalístico aspectos semióticos
do acontecimento em pauta, tais como recursos de linguagem, conceitos
e formatos.
Mas se o fato webjornalístico, conforme já foi aqui
mencionado, mescla acontecimentos que se processam simultaneamente
na rede e fora dela, não há fatos exclusivos do ciberespaço,
já que as experiências sócio-culturais do ciberespaço
se originam fora dele. Daí a necessidade de se pensar a informação
webjornalística como articulação de referências
múltiplas, portanto, de natureza complexa e híbrida.
Em que medida isso implica em revisão do campo epstemológico
do Jornalismo ainda é uma incógnita.
Outro ponto que complexifica a natureza da informação
webjornalística é o uso cada vez mais complexo do
canal em hipermídia, que tende cada vez mais a apresentar
autonomia semiótica e a participar do processo de produção/difusão
da informação. Nota-se que o canal em hipermídia
já assume eventualmente níveis rudimentares de emissão,
recepção, produzindo informações relativamente
próprias. "Embora computadores sejam uma espécie
de máquina, eles respondem de uma maneira que é mais
que mecânica. São uma espécie de "outro",
se não são totalmente um "eu"". (Lyman,
1997, pag. 120)
Para Johnson (2002) os recursos de linguagem da Internet tendem
a alterar o uso tradicional da informação na rede.
O autor argumenta que o aperfeiçoamento de alguns softwares,
conhecidos como agentes, e usos mais adequados de recursos como
links, podem contribuir para a formação de um novo
paradigma comunicacional.
(...) um agente que fosse capaz
de avaliar nossos gostos em matéria de cinema ou de vinhos,
ou até de pessoas, que fosse capaz de construir um modelo
nuançado da nossa sensibilidade estética ou interpessoal
- essa seria uma mudança de paradigma digna desse nome.
(Johnson, 2001, pag. 140)
Níveis semióticos
da informação
A experiência, que incorpora o acontecimento ao fato e
este à semiose jornalística, se expressa através
de manifestações diferenciadas de níveis informativos,
veiculando concepções acerca da realidade contemporânea.
É possível que a informação processe-se
sob diferentes predomínios fenomenológicos para representar
a semiose proposta: icônico (referência análoga,
metafórica ou sinestésica), indicial (conexão
física) ou simbólico (juízos de gosto e valor).
É certo que em webjornalismo os três níveis
informativos demandam intensa investigação acerca
de suas possíveis articulações semióticas,
uma vez que fatos webjornalísticos são híbridos
e complexos, tendo por referência acontecimentos processados
no ciberespaço e fora dele. Desse modo, torna-se relevante
compreender em que medida os fatos webjornalísticos representam
os acontecimentos (a exemplo da comunicação de massa,
domínio da terceiridade) e em que medida simulam (recriação
criativa, domínio da primeiridade) ou atestam (conexão
física, domínio da secundidade) tais acontecimentos.
Em qualquer das situações, parece bastante provável
que a informação webjornalística tenda a se
utilizar dos próprios recursos de linguagem do meio para
produzir informações híbridas em um hipertexto
informativo cada vez mais sintético e semioticamente complexo.
Isso parece possível na medida em que o meio permite lançar
mão de recursos de linguagem simultâneos que reforcem
os domínios fenomenológicos pretendidos para cada
tipo de informação. Por exemplo, recursos visuais
para enfatizar domínios indiciais do texto jornalístico,
recursos sonoros para enfatizar domínios icônicos e
recursos verbais para enfatizar domínios simbólicos
(sobre o assunto, ver Santaella, 1989 e Santaella, 2001).
Nessa perspectiva, aspectos sonoros
da informação webjornalística teriam predominância
icônica e, desse modo, deveriam privilegiar, potencialmente,
uma apreensão sinestésica do fato. Aspectos visuais
da informação webjornalística apresentariam
domínio indicial, na medida em que deveriam referir-se ao
fato por força de uma extensão física - a própria
imagem deste no signo ou o link, por exemplo. E aspectos verbais
da informação webjornalística apresentariam
domínio simbólico por privilegiar um tipo de texto
que representa o acontecimento - seu objeto - por força de
uma convenção social: o próprio verbo.
Segundo Peirce (citado por Jakobson,
1973, pag. 104), "os mais perfeitos dos signos são
aqueles nos quais o caráter icônico, indicial e simbólico
estejam amalgamados em proporções tão iguais
quanto possíveis". Propõe-se, então,
o webjornalismo como arena na qual os domínios fenomenógicos
discutidos aqui na perspetiva de gêneros e de linguagem, se
engendrem de modo tão amalgamado quanto possível.
Propicia-se, assim, uma modalidade jornalística tão
mais híbrida quanto possível, ao mesmo tempo em que
fornece-se subsídios para que se potencialize domínios
semióticos adequados a cada intenção comunicativa.
Com isso, evidencia-se a complexidade do processo informativo em
webjornalismo.
Uma vez que as informações
são semioticamente complexas e diversas, torna-se possível,
em webjornalismo, lançar mão dos próprios recursos
de linguagem do meio para privilegiar níveis fenomenológicos
da informação, considerados prioritários em
cada situação comunicativa.
Propõe-se, portanto, entender
a informação como grandeza que atravessa o fluxo semiótico
em três níveis fenomenológicos: simultaneamente,
a informação apresentaria níveis qualitativo
(icônico), contextual (indicial) e convencional (simbólico),
podendo ainda priorizar um ou outro domínio segundo o modo
como se pretende representar o acontecimento em fato webjornalístico.
A proposta refuta a noção
difundida pela Teoria da Informação segundo a qual
a comunicação é transmissão de
informação de uma fonte a um receptor, mediante o
uso de um canal. Essa teoria, que fundamentou diversas abordagens
da comunicação de massa, utiliza recursos conceituais
como probabilidade e entropia, relacionados a redundância
e novidade, para mensurar a quantidade de informação
transmitida no sistema (sobre o assunto ver Alsina, 1989,
e Mattelart, 2000).
Mesmo no âmbito da comunicação
de massa, a idéia de quantidade como parâmetro
de informação foi questionada. "Este realce
do valor quantitativo de uma mensagem é inteiramente constestável;
sempre se imporá, para o analista da informação
social (...) o problema do significado da mensagem. (Coelho Netto,
1973, pag. 20)
Mais recentemente, Armand Mattleart
retoma crítica similar. "Com a Teoria Matemática
da Comunicação fica completamente esquecida a questão
do sentido e, além disso, da cultura, pois aí não
há qualquer interrogação sobre a cultura. (Mattelart,
2000, pag. 08)
No que se refere à informação
processada na Internet, o problema do "sentido esquecido"
cresce exponencialmente, uma vez que o contexto de emissão,
recepção e produção/difusão da
informação é outro. Nesse contexto, interessa
menos saber a quantidade que a qualidade desta para
o recpetor-usuário, que eventualmente se torna co-autor da
informação. Desse modo, novidade passa a ser um valor
relativo, uma vez que cada comunidade virtual tem autonomia para
considerar se é mais relevante uma informação
nova que a discussão aprofundada de uma informação
já conhecida.
Na perspectiva deste trabalho, informação,
em webjornalismo, não se relaciona nem a quantidade,
nem a transmissão, mas a fluxos semióticos
qualitativamente distintos, engendráveis, hibridizáveis
e modeláveis cada vez mais por agenciamentos coletivos na
rede. Não haveria, nessa perspectiva teórica, discurso
informativo isento de interpretação e de propósitos
opinativos, nem informação jornalística desprovida
de parcialidade e subjetividade. Não haveria sequer distinção
rigorosa entre informação jornalística e não
jornalística na rede, um vez que qualquer informação
de interesse jornalístico na rede pode se conectar hipertextualmente
ao webjornal, numa espécie de engendramento semiótico
de informações de natureza dessemelhantes que concorrem
para difundir uma certa concepção da realidade contemporânea.
CONCLUSÃO
O webjornalismo encontra-se em estágio de grande indefinição
paradigmática, não apenas devido ao momento inicial
de construção da linguagem, no qual tradicionalmente
busca-se referências conceituais anteriores, como também
devido à diversidade de propostas peculiares que colocam
em trânsito a informação na rede, de modo jornalístico
ou não.
Um modo possível de superar
essas limitações, segundo hipótese levantada
por este artigo, seria rever o conceito de informação,
tanto no que se refere a gênero jornalístico, quanto
no que se refere ao entendimento de informação como
novidade, noção assentada em um valor que relaciona
informação à quantidade de novidades introduzidas
no sistema. A partir da semiótica peirceana, propõe-se
a onipresença dos gêneros jornalísticos - Informativo,
Interpretativo e Opinativo - segundo a lógica de relação
das categorias fenomenológicas de Charles Sanders Peirce.
Também na perspectiva da
semiótica peirceana, sugere-se entender a informação
não meramente como novidade, mas como articulação
dos três níveis fenomenológicos. Desse modo,
a informação é qualitativa (icônico),
contextual (indicial) e convencional (simbólico), podendo-se
priorizar um ou outro domínio segundo o modo como se pretende
relacionar fato e ocorrência no hipertexto jornalístico.
Pensando o webjornalismo como articulação
de linguagens processadas em domínios semióticos distintos,
sugere-se que recursos de linguagem sonoros privilegiem a dimensão
icônica, visuais relacionem-se predominantemente ao índice
e verbais ao símbolo. Assim, a informação em
webjornalismo poderia ainda lançar mão de recursos
de linguagem específicos para potencializar determinados
níveis fenomenológicos da informação
considerados prioritários em cada situação
comunicativa, como modo de tornar o hipertexto jornalístico
mais sintético, porém semioticamente mais complexo.
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Geane
Carvalho Alzamora
PUC-Minas/PUC-SP,
Brasil
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