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Por Davys Sleman
Número
52
As
eleições1,
no sistema democrático, são batalhas
importantes da guerra entre as diversas facções
políticas. Essa é uma das formas
de como, com bastante frequência, a linguagem
jornalística utiliza-se para tratar das
campanhas eleitorais. As mais comuns são
as que comparam campanhas a corridas de cavalos
“horse race”, jogos de azar, futebol,
lutas corporais e guerras. Esta última
parece-nos, por várias razões,
a mais apropriada, até porque desse fundamento
se forma uma visão beligerante da política,
segundo a qual:
La política
es la continuación de la guerra por otros
medios, y el adversario es visto como un enemigo
o, en cualquier caso, como un peligro o una
amenaza (GLEICH, 1999:252).
Nesse contexto,
as campanhas eleitorais constituem estratégias
de combate, que envolvem o volume e o tipo de
armas utilizadas (o conjunto de recursos materiais
e humanos), tendo como objetivo imediato vencer
a batalha – e, a longo prazo, a guerra.
Desse ponto de vista, nossa conceituação
de campanha deve abranger não apenas ações
mais palpáveis, como a propaganda, o programa
de governo, discursos, recursos materiais, militância,
“boca-de-urna”, mas também
aspectos cuja percepção é
menos imediata e não menos importante.
Neste último caso se enquadram as atuações
dos partidos na elaboração das
regras que regem as eleições; disputas
internas aos partidos (como as Convenções,
que no caso brasileiro, ao contrário,
entre outros, dos americanos, não possui
tamanha importância); coligações
e alianças; imagem e comportamentos
de partidos e candidatos; fiscalização
e atenuação de organismos não
partidários como a imprensa,
igreja, sindicatos e outros, desde que tenham
exercido influência no processo.
Dessa forma,
as eleições produzem efeitos diversificados
no processo, não se limitando jamais à
sua precípua finalidade institucional
de recompor as Assembléias e órgãos
de governo2.
Desdobra-se em vários níveis, sobretudo
por afetarem as expectativas e projeções
de indivíduos e grupos diferentemente
situados na estrutura de poder.
Assim, por mais
que se martele a tecla da “falta de interesse”,
da “falta de participação”
e da “despolitização”
da maioria da população, não
se pode negar que a eleição é
um acontecimento importante e mobilizador, enfim,
pode se afirmar que o período das eleições
por si próprio é um momento excepcional.
Além
das repercussões que produz no processo
político nacional, talvez seja a única
ocasião em que a política assume
um significado na vida cotidiana, ainda mais
quando se trata desse período nos Municípios,
onde ocorrem os primeiros contatos dos cidadãos
com as esferas do Poder. Afastados de outras
formas de participação, a maior
parte da população sente, em geral,
a política como algo externo e distante.
Mas as eleições obrigam a uma participação:
mesmo contra a vontade, as pessoas têm
que votar. O processo eleitoral, contudo, não
se esgota na obrigação, embora
essa possa ser a primeira idéia: as pessoas
optam por um partido ou por um candidato e, se
inicialmente mostram-se relutantes, com o decorrer
da campanha, terminam encontrando motivos para
defender seu partido ou candidato, ainda que
pese toda a descrença nos políticos
e na política.
Não há
como ignorar o assunto, se no início se
consegue esquivar-se com um “não
quero nem saber, não falo e nem gosto
de política”, acaba-se sendo obrigado
a se definir por um partido e/ou candidato, ou
pelo menos a falar de eleições,
já que não há outro tema
nas conversas nos bares e nos comentários
com os vizinhos.
Isso ocorre
em decorrência de como a campanha vai sendo
incluída pouco a pouco na vida diária
dos cidadãos, independente do seu nível
sócio-político-cultural. Pode-se
facilmente deduzir que as eleições
Municipais, independente da estrutura da Cidade,
colocam o eleitor dito marginal - aquele
que em condições normais não
armazena muitas informações e tem
escasso interesse pela política - diante
de exigências e pressões consideráveis,
afinal esse eleitor marginal é intensamente
procurado na campanha em todas as suas modalidades:
são cartazes nas ruas, o assédio
dos cabos eleitorais e dos candidatos, as peruas
circulando com alto-falantes, isso sem contar
os meios de comunicação - televisão
e rádio (com as exibições
do Horário Gratuito Político Eleitoral
- HGPE e dos “spots” durante as programações)
e os jornais (com propagandas pagas, nos quais
se divulgam as fotografias e os currículos
dos candidatos em suas páginas) - tendo
em vista que um pequeno contingente de votos
pode fazer (como de fato fez no caso de São
Carlos) toda a diferença. Mobilizar essa
periferia da vida política, que não
apenas geográfica e social, mas também
psicológica, é uma questão
vital para qualquer candidato ou partido.
Como o resultado
de uma eleição é fruto de
milhares e milhões de decisões
individuais autônomas, vale dizer,
livres de qualquer coordenação
global ou imperativa, que a escolha eleitoral
é algo incerto. Não é possível
saber de antemão se o eleitorado em sua
maioria seguirá ou não a orientação
dos partidos, dos meios de comunicação
ou de qualquer entidade. Pode-se ter como certo,
apenas, que alguns seguirão determinado
cânone ideológico, outros, certa
sedução personalista, mas é
impossível dizer quanto ou quais serão
uns e outros, e até se serão os
mesmos do começo ao fim da campanha, ou
de uma eleição a outra. Eleitores
altamente motivados e interessados numa eleição
podem mostrar-se apáticos na seguinte.
Neste sentido, o cerne democrático não
está de modo algum numa suposta igualdade
ou uniformidade de capacidades e interesses,
e sim nessa incerteza fundamental do processo.
O que os partidos e candidatos fazem durante
a campanha é tentar reduzir essa incerteza,
ganhando o maior número possível
de apoios, a partir de um número básico
de militantes ou adeptos próximos. O que
se submete ao teste é, portanto, a
capacidade de expansão3
de cada candidato, imagem ou proposta.
O que torna
“difícil” essa expansão
não é apenas a reação
dos adversários. É também
a estratificação normal de qualquer
eleitorado, que tem aspectos facilmente perceptíveis,
como as clivagens sócio-econômicas,
culturais e regionais, a identificação
com siglas, programas ou candidatos, mas que
implica também em grandes diferenças
no tocante à motivação para
participar e à capacidade de assimilar
informações4.
A campanha é um momento mobilizador que
se superpõe a um sistema altamente estratificado
de participação política.
Abaixo de um núcleo básico formado
pelos militantes e pelas adesões seguras,
há uma camada média de eleitores
que não participam ativamente, mas que
se interessam pela campanha e fazem uma escolha
bastante firme desde os primeiros momentos. Abaixo
destes, ainda, há os que chamamos de eleitor
marginal, com o cuidado de não conferir
a este termo uma conotação valorativa:
trata-se simplesmente daqueles que permanecem
à margem, vale dizer, que normalmente
não se envolvem, ou o fazem muito superficialmente.
Há quem acredite que esse não envolvimento
resulte sempre de uma atitude de sobranceira
autonomia.
Os indecisos
e os que se decidem sem muita convicção
seriam , nessa ótica, o que se poderia
chamar de ‘outer space’ do sistema
de participação política,
ou seja, eleitores ‘independentes’,
que se reservam para uma decisão mais
amadurecida ou que não se sentem tocados
pelas alternativas apresentadas (LAMOUNIER et
alii., 1986:18).
O termo “independente”
tem esta conotação intelectualizada,
designando de preferência aqueles eleitores
que não votam partidariamente, e menos
ainda em função de personalidades,
mas sim em termos programáticos, analisando
a posição assumida pelos candidatos
diante de cada questão. Esta imagem, podemos
afirmar, é delirantemente idealizada.
Na verdade, o eleitor marginal a que nos referimos
é formado por indivíduos que em
sua maioria manifestam os traços exatamente
opostos. Marginais são os excluídos
em virtude de situações objetivas
de carência sócio-econômica
e os que se auto-excluem por desinteresse ou
por dificuldade de compreensão dos processos
políticos5.
É preciso
considerar também aqueles, sobretudo os
muito jovens, que apenas começam a participar,
e que às vezes o fazem manifestando uma
volubilidade acentuada, ou seja, mudando freqüentemente
de direção de uma eleição
a outra, ou mesmo no transcorrer de uma campanha.
O eleitor jovem, a menos que tenha um nível
elevado de instrução e um ambiente
familiar razoavelmente receptivo à discussão
política, tem também um estoque
limitado de informações e memórias6.
Se considerarmos que a capacidade de assimilar
e sobretudo de contextualizar novas informações
depende desse estoque previamente constituído,
não parece descabido incluir em nosso
conceito de eleitor marginal uma parcela dos
novos contingentes que apenas se iniciam na participação.
Por fim, embora
não haja derramamento de sangue durante
a disputa eleitoral, a escolha que dela resulta
no fim é, não obstante, tão
irracional quanto efetuada por qualquer grande
Nação do mundo que recorra a processos
secretos e sanguinários para eleição
de seus políticos. Enquanto não
for fundada a “República”
dos filósofos, de Platão, os representantes
dos homens continuarão a ser escolhidos
não pela lógica, mas pelo instinto
e pela fé.
As campanhas
eleitorais são organizadas tendo por objetivo
despertar o instinto e as emoções
do povo. Os problemas “ventilados”
nessas ocasiões, quaisquer que sejam eles,
têm por única finalidade provocar
emoção nas massas. É necessário
incrementar o registro de eleitores, incutir
entusiasmo nos cidadãos, colocar em ação
um fenomenal meio de propaganda que são
os meios de comunicação, em especial
a televisão. E tudo com uma única
pretensão: para que os cidadãos
– enquanto participam de comícios,
lêem os jornais e/ou revistas ou ficam
vendo o seu candidato na televisão –
possam ponderar, remoer, refletir e argumentar,
até que tome forma, por fim, no íntimo
de cada um, a sua decisão sobre a escolha
do seu candidato.
Notas:
1
Sobre um estudo da história eleitoral
paulistana de 1945 a 1964, notar os
trabalhos pioneiros de SIMÃO, Aziz. “O
voto operário em São Paulo”,
Revista Brasileira de Estudos Políticos,
n° 01, 1956:130-141; FERREIRA, Oliveiros
S. “Comportamento Eleitoral em São
Paulo”, RBEP, nº 08, 1960:162-228;
do mesmo autor, “A crise de poder do “sistema”
e as eleições paulistas de 1962”,
idem ibid, nº 16, 1964:179-226; WEFFORT,
Francisco. “Raízes Sociais do Populismo
em São Paulo”, Revista Civilização
Brasileira, nº 02, 1965:39-60.
2 Concordando
com essa idéia ver MANCINI, Paolo &
SWANSON, David L. “Politics, Media and
Modern Democracy: na International Study of Innovations
in Electoral Campaing and Their Consequences”,
Westport, Connecticut, London:Praeger, 1996.
3 É
aqui pertinente a discussão de Antonio
Gramsci sobre o mecanismo eleitoral:”Um
dos lugares-comuns mais banais que se repetem
sobre o sistema eleitoral de formação
de órgãos estatais é o de
que nele o número é lei suprema
e que as opiniões de um imbecil qualquer
que saiba escrever (e inclusive de um analfabeto,
em determinados países) vale para efeito
de determinar o curso político do Estado,
tanto quanto as opiniões de quem dedica
à Nação as suas melhores
forças, etc. Mas a verdade é que,
de modo nenhum, o número constitui a ‘lei
suprema’,nem o peso da opinião de
cada eleitor é exatamente igual. Os números
(...) são simples valor instrumental,
que dão uma medida a uma relação
, e nada mais. E depois, o que é que se
mede? Mede-se exatamente a eficácia e
a capacidade de expansão e de persuasão
das opiniões de alguns, das minorias ativas,
das elites, das vanguardas, etc.Isto é,
sua racionalidade ou funcionalidade”. In
“Maquiavel, a Política e o Estado
Moderno”, RJ, Civilização
Brasileira, 1968:89.
4 Os fatores
que estratificam a participação
política e eleitoral são pouco
estudados nos países que adotam o voto
obrigatório, como é o nosso caso.
De uma eleição a outra e entre
diferentes grupos sociais, tem-se uma ilusão
de uniformidade. Executados os que não
compareceram para votar, aparentemente todos
participam, e o fazem da mesma maneira. Na realidade,
há diferenças enormes entre os
eleitores. Diversos estudos têm mostrado
que um fator decisivo nessa estratificação
é a escolaridade. Na realidade, o efeito
da posição sócio-econômica
deve ser analisado principalmente através
da educação, dado o papel desta
como “facilitador” da participação.
A variável escolaridade associa-se, é
claro, à estratificação
social. Baixos níveis de escolaridade
significam menor qualificação ocupacional,
chances mais limitadas no mercado de trabalho,
menor renda. Mas significam também uma
menor assimilação de informações
políticas e, portanto, menor continuidade
na memória política. “Education
(...) increases cognitive skills, which facilitates
learning about understanding and working, with
complex, abstract, and intangible subjects –
such as politics. This heightens one’s
ability to pay attention to politics, to understand
politics, and to gather information necessary
for making political choices. Thus education
(...) reduces the costs of voting..” Conforme
WOLFINGER, Raymond & ROSENSTONE, Steven J.
“Who Votes”, New Haven, Yale University
Press, 1980:35-36.
5 Situando-se
nessa idéia notar o trabalho realizado
no Bairro de São Miguel Paulista na Zona
Leste de São Paulo, um dos bairros mais
pobres do Município. CALDEIRA, Teresa
Pires do Rio. “Para que serve o voto? (As
eleições e o cotidiano na periferia
de São Paulo)”in Voto de Desconfiança
– Eleições e Mudança
Política no Brasil: 1970-1979. LAMOUNIER,
Bolívar (org.). Petrópolis, Editora
Vozes/CEBRAP, 1980.
6
Com relação a esse aspecto da denominada
“memória política”
não só em relação
aos jovens mas, especificamente, de uma região
interiorana notar MARTINEZ-ALIER, Verena &
BOITO JÚNIOR, Armando. “1974:Enxada
e Voto”in Os partidos e as eleições
no Brasil. CARDOSO, Fernando Henrique & LAMOUNIER,
Bolívar. RJ, Paz e Terra, 1978:243-262.
Referencias:
CALDEIRA,
Teresa Pires do Rio. “Para que serve o
voto? (As eleições
e o cotidiano na periferia de São Paulo)”in
Voto de Desconfiança – Eleições
e Mudança Política no Brasil: 1970-1979.
LAMOUNIER, Bolívar (org.). Petrópolis,
Editora Vozes/CEBRAP, 1980.
FERREIRA,
Oliveiros S. “Comportamento Eleitoral em
São Paulo”, RBEP, nº 08, 1960.
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“A crise de poder do “sistema”
e as eleições paulistas de 1962”,
idem ibid, nº 16, 1964.
GLEICH,
Uli.”Importancia de la comunicación
política en los processos electorales”
in “Globalización, democracia y
medios de comunicación”. THESING,
Josef & PRIESS, Frank (Editores). Buenos
Aires, CIEDLA-Konrad Adenauer, 1999.
GRAMSCI,
Antonio. “Maquiavel, a Política
e o Estado Moderno”, RJ, Civilização
Brasileira, 1968.
LAMOUNIER,
Bolívar & MUSZYNSKI, Maria Judith
Brito. “A eleição de Jânio
Quadros” in 1985: O Voto em São
Paulo. LAMOUNIER, Bolívar (org.). SP,
IDESP, 1986.
MANCINI,
Paolo & SWANSON, David L. “Politics,
Media and Modern Democracy: na International
Study of Innovations in Electoral Campaingning
and Their Consequences”, Westport, Connecticut,
London:Praeger, 1996.
MARTINEZ-ALIER,
Verena & BOITO JÚNIOR, Armando. “1974:Enxada
e Voto”in Os partidos e as eleições
no Brasil. CARDOSO, Fernando Henrique & LAMOUNIER,
Bolívar. RJ, Paz e Terra, 1978.
SIMÃO,
Aziz. “O voto operário em São
Paulo”, Revista Brasileira de Estudos Políticos,
n° 01, 1956.
WEFFORT,
Francisco. “Raízes Sociais do Populismo
em São Paulo”, Revista Civilização
Brasileira, nº 02, 1965.
WOLFINGER,
Raymond & ROSENSTONE, Steven J. “Who
Votes”, New Haven, Yale University Press,
1980.
Mag.
Davys Sleman de Negreiros
Professor Universitário, pesquisador NEMP-UFSCar/CNPq
- Núcleo de Estudos sobre Mídia
e Política, Brasil. |